Shakeel: a história por trás da face mais famosa do “extremismo raivoso” islâmico

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É provável que você já tenha visto seu rosto circulando pela internet. Sua imagem se tornou um símbolo recorrente em espaços anti-islâmicos, usada para reforçar estereótipos que associam muçulmanos à violência e à irracionalidade. Uma caricatura racializada que combina expressões faciais e traços étnicos para construir a figura do “muçulmano raivoso”.

Raja Hamza Blog: Shakeel Ahmad Bhat-Islamic Rage Boy

Shakeel durante protestos em Srinagar em 2007. Esta foto o tornou famoso.

Mas esse rosto tem nome e história: Shakeel Ahmed Bhat, ativista e militante caxemire que dedicou sua vida à luta pela libertação de sua terra natal, a Caxemira. De forma irônica e cruel, Shakeel se tornou uma “celebridade anônima” na internet, depois que fotos suas em meio a um protesto em Srinagar, em 2007, foram divulgadas por veículos internacionais. Rapidamente, sua imagem foi sequestrada por páginas e perfis anti-islâmicos — de extrema direita hindu, cristã, sionista e ocidental —, transformando-o em um estereótipo do “muçulmano extremista, bravo e irracional”, uma representação rasa e desumanizada construída para reforçar preconceitos.

Por trás dessa face há uma história de dor. O pai de Shakeel foi militante da Frente do Plebiscito de Jammu e Caxemira — movimento que defendia o direito da população decidir, por plebiscito, se a Caxemira seria parte da Índia, do Paquistão ou se se tornaria independente. Em 1986, durante uma operação policial e militar em sua casa, sua irmã, Shareefa, foi atirada de uma janela. Ela quebrou a coluna e morreu quatro meses depois.

Mapa da região da Caxemira no Subcontinente Indiano, Encyclopaedia Britannica. A – administrado pelo Paquistão e reclamado pela Índia; B – administrado pela Índia; C – administrado pela China e reclamado pela Índia; D – administrado pela Índia e reclamado pela China.

Tomado pela dor e pela revolta, Shakeel abandonou a escola e, aos 13 anos, ingressou em um grupo militante. Em uma das muitas buscas por ele, policiais espancaram brutalmente seu pai, que morreu dias depois em decorrência dos ferimentos.

Em 1994, Shakeel foi preso e, durante os três anos em que permaneceu encarcerado, sofreu tortura sistemática. Um prego foi cravado em seu maxilar e seu braço esquerdo ficou permanentemente inutilizado. Viveu desde então com dores constantes, marcas físicas de uma repressão que nunca cessou.

Após ser libertado, em 1997, passou a participar ativamente de protestos contra a ocupação militar indiana na Caxemira. Foi nesse contexto que sua imagem começou a ser capturada por fotógrafos — seu rosto tomado pela dor, pela raiva e pelos gritos de resistência se tornou facilmente identificável. A internet o batizou cruelmente de “Muslim Rage Boy”, um meme descontextualizado, usado para ridicularizar muçulmanos e associá-los à intolerância e à violência, ignorando completamente décadas de ocupação, repressão e brutalidade que moldaram aquela expressão.

Em 2019, durante a revogação do status especial da Caxemira, Shakeel foi novamente preso. Ao sair da prisão, recebeu a notícia da morte de seu irmão. Foi até o túmulo dele, onde permaneceu em silêncio, em luto.

Nenhuma descrição de foto disponível.

Shakeel ao lado do túmulo de seu irmão em 2019.

Shakeel Ahmed Bhat é um retrato vivo de como a dor de um povo pode ser sequestrada e transformada em combustível para discursos de ódio ao redor do mundo. Sua imagem, arrancada de seu contexto, foi convertida em ferramenta de propaganda por quem não se importa em explorar até o sofrimento alheio para justificar sua própria intolerância.

Referências

– WOBBLER BUSTERS. Shakeel Ahmed Bhat. Facebook, 20 de janeiro de 2025.

– RIAZAT BUTT. All the rage – victim of US bloggers’ cartoon hits back. The Guardian, 23 de julho de 2007.

– VALI NASR. Forces of Fortune: The Rise of the New Hindu Middle Class and What It Will Mean for Our World. 2009.

– CHIDANAND RAJGHATTA. Kashmir’s ‘Rage Boy’ invites humour, mirth. The Times of India, 1 de julho de 2007.

– ASHIQ HUSSAIN. 9th case against Kashmir’s ‘Islamic poster-boy. Hindustan Times, 25 de fevereiro de 2011.

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