A percepção que permeia o referencial histórico da maioria das pessoas sequer consegue abarcar a amplitude do que foi a civilização islâmica medieval. Pois, se o mundo era costurado pela Rota da Seda, sem dúvidas a linha unificadora do tecido continental e cultural era o Islã. Grandes capitais da atualidade que sequer associamos a este fenômeno cultural muçulmano possuem suas histórias indissociavelmente ligadas aos seguidores do Profeta ﷺ.
No Ocidente, Madrid, futura capital da Espanha, foi fundada numa época em que o país ainda não existia, mas a cidade já tinha nome, e era chamada por seus habitantes muçulmanos em árabe de “Majrit”, “fonte aquífera”, e surgiu a partir do forte mandado erguer ali pelo emir Muhammad I de Córdoba, senhor do al-Andalus em 865. Como todo lugar onde os mouros decidiam construir virava centro intelectual, na centúria seguinte nasceria ali Maslama al-Majriti, chamado o “Euclides andalusino”, notável astrónomo e fundador da Escola Matemática de Córdoba. A povoação somente seria tomada dos muçulmanos em 1085 por Afonso VI de Leão e Catela, tornando-se capital da Espanha apenas em 1561, por ordens de Felipe II, que tiraria todas as liberdades culturais dos espanhóis de ascendência moura, causando a Revolta das Alpujarras, que seria brutalmente reprimida por seu irmão, Juan de Áustria. A cidade cresceu imensamente, e hoje é a única capital europeia fundada por muçulmanos.
Ruínas da muralha islâmica de Madrid | Wikimedia
Já na Asia, na porção mais oriental do Império Mongol, o grande Kublai Khan (1215-1294), grão-cã e primeiro imperador da dinastia Yuan na China, buscava agora estabelecer uma nova capital e corte mais sinizada. Era costume dos mongóis, desde sua gênese imperial, incorporar a seu serviço povos muçulmanos. Huis, uigures, cazaques, árabes e persas lotavam as cortes dos vários cãs, geralmente em altas posições, como conselheiros e parte da administração burocrática do estado.
Na escolha de Kublai para o construtor da nova capital do maior império da terra, em 1264, não seria diferente. Seu nome era Yeheidie’erding (Amir al-Din ou Ikhtiyar al-Din), um engenheiro muçulmano, provavelmente da etnia hui.
Baseando-se nas diretrizes rituais do conselheiro real, Liu Bingzhong, o engenheiro Yeheidie’erding projetou a cidade seguindo a tradição confucionista zhouli, mesclando a arquitetura tradicional han chinesa com outras influências, executando pessoalmente todo o projeto, e entrando para a história como construtor da futura Pequim.
Estátua de Yeheidie’erding em Yinchuan
Passando por várias fases de construção, a cidade foi concluída em 1293, e era magnífica. Nomeada Dadu ou “Khanbaliq”, ela era cortada por lagos, canais e jardins ricamente adornados. Seus imensos mercados, que agora estabeleciam mais um ponto importante na Rota da Seda, atraiam visitantes do mundo inteiro, como o famoso viajante italiano Marco Polo, que segundo alguns relatos, chegou à corte de Kublai em 1271. Locais de culto de todas as religiões ornavam Dadu, de igrejas cristãs a templos budistas e mesquitas, algumas delas estabelecidas sob ordem do próprio cã, como uma forma de prestigiar seus tão pródigos súditos muçulmanos.
Seus vibrantes bairros milimetricamente planejados eram cortados por pontes decoradas, que facilitavam a circulação dos cidadãos por entre as ilhas e canais. Mas, talvez, o ponto mais magnífico do complexo metropolitano seria o Palácio do Cã, projetado para habitação do governante mais poderoso da terra, e sobre cujas estruturas seria futuramente construída a famosa Cidade Proibida.
Em 1368, algumas décadas depois, com o declínio da dinastia Yuan, as forças da dinastia Ming, lideradas por Zhu Yuanzhang, invadiram Dadu, nomeando-a, posteriormente, “Beijing” (Pequim), fazendo dela sua nova capital, que permanece até hoje como capital da China.
Bibliografia:
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– González Zymla, Herbert (2002). “Los orígenes de Madrid a la luz de la documentación del archivo de la Real Academia de la Historia”
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