Como a bandeira da Palestina foi definida?

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No final de 1929, durante o Mandato Britânico, a Palestina tornou-se palco de um debate público sobre a criação de uma bandeira nacional própria. Impulsionada por intelectuais e pela população através do jornal diário Filastin, as propostas enviadas ao Executivo Árabe refletiam o desejo de um certo segmento em visualizar um futuro estado árabe palestino. 

O contexto dessa busca por um símbolo era complexo, marcado pela tensão entre o particularismo palestino e o pan-arabismo, bem como pela necessidade de forjar uma parceria entre muçulmanos e cristãos. A pesquisa do acadêmico Tamir Sorek (2004), que analisou 28 dessas propostas, identificou três temas recorrentes: o uso das quatro cores pan-árabes (preto, branco, verde e vermelho), a introdução da cor laranja como um símbolo localista e a inclusão do emblema da “Cruz no Crescente” para representar a unidade religiosa. Esses elementos serviram como ponto de partida para discutir o caráter da nação que se imaginava, mas já evidente que não se tratava de uma nação totalmente islâmica, possuindo uma porcentagem significativa de cristãos em seu território há séculos, embora hoje eles tenham suas igrejas bombardeadas pelo estado israelense.

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Apesar da criatividade e do fervor patriótico, nenhuma dessas propostas de 1929 foi adotada. O professor Sorek sugere três razões principais que justificariam a rejeição das propostas. Primeiro, as propostas refletiam os interesses de grupos sociais relativamente marginais, não representando um movimento de massa. Segundo, não surgiram num momento de mudança sociopolítica radical que pudesse impulsionar sua adoção. Finalmente, e talvez o mais importante, faltava-lhes uma base profunda na tradição local e o potencial para se conectarem a um passado antigo, ao contrário da bandeira da Revolta Árabe que eventualmente veio a prevalecer.

Entre as variações mais curiosas estava a forte defesa da cor laranja. Munir Dakak, um cidadão de Jerusalém, chegou a propor um desenho com uma grande laranja no centro da bandeira. A laranja, especialmente as famosas laranjas de Jaffa, era um símbolo poderoso da terra, da sua fertilidade e da sua economia. Representava uma tentativa de criar um símbolo distintamente palestino, enraizado na geografia e na produção local, em contraste com a simbologia pan-árabe mais ampla que remetia a dinastias históricas ou a alguma identidade amorfa dentro de um guarda-chuva “árabe”. Seria, portanto, algo “puramente” palestino.

A laranja não foi o único produto agrícola sugerido como emblema nacional. Asad Shufani, de Nazaré, propôs alternativas que refletiam a economia da Galileia, de onde ele vinha. Seus desenhos incluíam um ramo de oliveira e uma espiga de trigo, culturas típicas e altamente simbólicas da região.

Árabes e judeus colhendo laranjas em Jaffa, 1910.

Muitas propostas, no entanto, mantiveram-se firmemente ligadas ao pan-arabismo. Um leitor que se assinou como “Um Árabe de Haifa” enviou dez exemplos diferentes, todos baseados nas quatro cores da bandeira da Revolta Árabe, mas com diferentes arranjos e a adição do emblema da “Cruz no Crescente”. Ele se opunha explicitamente à cor laranja, argumentando que ela ofuscaria a semelhança da bandeira com as de outras nações árabes, afirmando que “os árabes têm um só interesse, em todos os lugares e em todos os tempos”. Assim, o “árabe de Haifa” – certamente alguém apaixonado por bandeiras – buscou refletir um caráter menos regional e caracteristicamente palestino, mas sim uma visão macro unindo todos os países árabes numa só causa.

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Rebeldes posando com seus rifles e uma bandeira palestina estampada com uma cruz cristã e um crescente islâmico durante a revolta árabe na Palestina, 1937. Wikimedia.

A bandeira que eventualmente se tornaria o símbolo oficial da Palestina não surgiu do debate de 1929, mas sim das raízes do movimento nacionalista árabe no início do século XX e sua origem remonta diretamente à bandeira da Revolta Árabe de 1916 contra o Império Otomano. Este símbolo foi adotado pelo movimento nacional palestino no final de 1920, com uma pequena modificação na ordem das faixas horizontais (preto, branco e verde) para representar a Palestina.

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Soldados do Exército Árabe durante a Revolta Árabe de 1916-1918, carregando a Bandeira da Revolta Árabe.

A adoção formal e a especificação da bandeira palestina, entretanto, ocorreram algumas décadas depois. Em 1º de dezembro de 1964, o Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), fundada no mesmo ano, definiu oficialmente o design: um tricolor de faixas horizontais pretas, brancas e verdes com um triângulo isósceles vermelho no mastro. Este estandarte tornou-se o emblema da resistência palestina a partir de 1965 e, mais tarde, a bandeira do Estado da Palestina, declarado em 1988, e da Autoridade Palestina, estabelecida em 1994.

Para não deixarmos passar a oportunidade e o tema de vários dos nossos últimos artigos: esse é mais um dos casos onde a “inexistente Palestina” (nas palavras de Golda Meir) veio a discutir e desenvolver sua identidade antes mesmo do nascimento de Israel. A bandeira de Israel foi adotada oficialmente em 28 de outubro de 1948, cinco meses após a Declaração de Independência do país. Embora antes da adoção oficial do modelo atual da bandeira palestina pela OLP, ainda estamos falando de décadas depois das discussões palestinas a respeito de qual bandeira adotariam. Nesse caso, um “povo inexistente” e num “território fictício” já debatia sua bandeira – com vários elementos representativos da identidade local – antes mesmo do Estado de Israel vir a existir, embora esse supostamente tenha sido prometido há milênios [1]. 

Notas

[1] Apenas a título de curiosidade, o design da bandeira israelense é a formalização de um símbolo já estabelecido pelo movimento sionista em suas discussões na Europa no fim do século XIX, e não na terra que dizem possuir. A bandeira, com as suas duas faixas azuis sobre um fundo branco e a Estrela de Davi ao centro, foi inspirada no talit, o xale de oração judaico.

Referências

CHARIF, M. The Palestinian flag. Disponível em: <https://www.palquest.org/en/highlight/33555/palestinian-flag>. Acesso em: 11 jun. 2025.

MACDONALD, I. Proposed Flags (Palestine). Disponível em: <https://www.crwflags.com/fotw/flags/ps!.html>. Acesso em: 11 jun. 2025.

SOREK, T. The orange and the ‘Cross in the Crescent’: imagining Palestine in 1929. Nations and nationalism, v. 10, n. 3, p. 269–291, 2004.

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