Presente em manchetes de jornais, títulos de livros, diálogos cinematográficos, análises geopolíticas, postagens no Instagram e diversos outros suportes culturais, o termo Oriente Médio tornou-se canônico para se referir à extensa (e frequentemente confusa) região situada entre a Turquia (“Oriente Próximo”) e a China (“Extremo Oriente”). Sua origem remonta aos imperativos estratégicos e diplomáticos das potências europeias no final do século XIX, refletindo a visão eurocêntrica de um “centro do mundo” que deveria organizar e “civilizar” as esferas consideradas incultas e bárbaras fora de suas fronteiras.
Antes de ser “Médio”, a região já era chamada de “Oriente”. Edward Said, em sua renomada obra Orientalismo, mobiliza sua vasta erudição cultural e linguística para concluir que o “Oriente” nada mais é do que uma imagem construída com base em conhecimentos produzidos por especialistas ocidentais ao longo da era moderna. O objetivo era claro: legitimar o domínio e a destruição dos povos situados nas margens desse desconhecido. Essa imagem começa a ser fabricada ainda na Idade Média, quando os cruzados viam as terras mais ao leste como território sagrado a ser protegido dos infiéis. Na modernidade, o “Oriente” passou a ser associado ao Império Otomano, que ameaçava constantemente as fronteiras dos reinos europeus. Mais tarde, no século XIX, com a presença da China no cenário global, o “Oriente” foi percebido como muito mais extenso e distante do que se imaginava.
Há consenso, no entanto, de que o termo “Oriente Médio” foi lançado pelo capitão Alfred Thayer Mahan, oficial da marinha americana. Em 1902, no artigo “O Golfo Pérsico e as Relações Internacionais”, publicado na revista National Review, Mahan afirmou ter criado uma expressão para designar uma área distribuída entre o Mar Mediterrâneo e o Oceano Índico. Apesar das dificuldades para delimitar a região, utilizando critérios puramente navais e comerciais, sua terminologia foi bem recebida pelo público britânico, especialmente interessado na projeção russa sobre o Irã.
O jornalista britânico Valentine Chirol consolidou o termo ao lançar sua série de artigos “A Questão do Oriente Médio (1902-1903)” e, posteriormente, ao publicar o livro “A Questão Médio-Oriental ou Alguns Problemas Políticos da Defesa Indiana”. Com base em suas experiências na Índia e em países vizinhos, Chirol delimitou o Oriente Médio como “as partes da Ásia que se estendem até as fronteiras da Índia, compartilhando seus problemas políticos e dilemas de defesa”. Chirol sempre creditou Mahan pela criação do termo.
Há, entretanto, registros anteriores como o do general britânico T.E. Gordon, que, em 1900, publicou o artigo “O Problema do Oriente Médio”. Nele, Gordon defende que “a prioridade da política externa britânica para o Oriente Médio era a defesa da integridade da Pérsia e do Afeganistão”, destacando as relações desses países com a Índia e os interesses europeus. Apesar de ser um texto anterior ao do Mahan, Gordon não reivindicou a autoria da expressão, o que indica que a terminologia já circulava entre intelectuais e burocratas de sua época. Foi esse “Oriente” que separou a terra natal dos britânicos na Europa de sua joia da coroa na Índia. Eles então introduziram o termo “Oriente Médio” para descrever a área que se estende do Mar Vermelho ao Império Britânico na Índia.
A partir de então, a delimitação geográfica variou ao sabor das conveniências europeias e da conjuntura de forças para sustentá-las: Após a I Guerra Mundial e da queda do Império Otomano, França e Grã-Bretanha competiram para estabelecer suas circunscrições na região até os processos de descolonização ocorridos nos continentes africano e asiático ao término da II Guerra Mundial. Com a hegemonia estadunidense durante a guerra fria, “Oriente Médio” significou a área geográfica que se estende do Vale do Nilo até as Repúblicas Soviéticas do Leste. Com a queda da URSS e o estabelecimento dos EUA como superpotência global sem páreo, vimos o surgimento do “Grande Oriente Médio”, referindo-se a todos os 22 países da Liga Árabe, do Norte da África, além de Paquistão e Afeganistão. Curiosamente, todos eles foram alvos da “Guerra ao Terror” lançada a partir dos anos 2000.
Referências
KOPPES, Clayton R. CAPTAIN MAHAN, GENERAL GORDON AND THE ORIGINS OF THE TERM “MIDDLE EAST. Middle Eastern Studies. Vol 12. nº 1. Jan de 1976. pp 95 – 98.
SAID, Edward. ORIENTALISMO. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pp. 11 – 164.
SOLIMAN, Hany. THE INVENTION OF THE “MIDDLE EAST”.
DANFORTH, Nick. HOW THE MIDDLE EAST WAS INVENTED.
SYED, Arwa. THE MIDDLE EAST: An Orientalist Creation.