A propaganda sionista, para justificar a ocupação israelense na Palestina, costuma se valer dos mais variados argumentos, sendo um dos principais de cunho histórico. Podemos observar com certa frequência a seguinte afirmação: que a Palestina é uma invenção romana. Acontece que mediante uma análise histórica mais detalhada e cuidadosa da historiografia perceberemos que tal afirmação não passa de um erro grosseiro, assim como boa parte das argumentações sionistas que buscam a todo custo justificar a ocupação das terras palestinas e expulsão de seus habitantes, esses sim os verdadeiros nativos da terra.
As menções ao nome ‘Palestina’ são tão antigas que nos levam de volta à Antiguidade num período que precede o Império Romano. A Antiguidade Clássica e o período helenístico, de 500 a.C. a 135 a.C., é um dos períodos em que os registros da vida na Palestina eram numerosos. Esse também é um período em que os primeiros historiadores e autores famosos da época, incluindo Heródoto e Aristóteles, escreveram sobre o país em detalhes, bem como sua importância estratégica, comercial e cultural para os vários monarcas gregos, comandantes militares, comerciantes, viajantes, cartógrafos e cientistas. A importância da região gerou um grande interesse e levou a um exame minucioso do país e de seu povo, conforme aponta Masalha (2018).
A Palestina que Aristóteles (384–322 a.C.) conheceu já era uma região com identidade geográfica reconhecida, como evidenciado por sua menção ao Mar Morto. Em sua obra “Meteorologia”, ele descreve as propriedades únicas das águas do mar. Nur Masalha (2018, p. 76) destaca que Aristóteles “não menciona o termo “Canaã” – especialmente porque ‘Palestina’ se referia a uma região histórica real, enquanto o termo “Canaã” provavelmente derivou de uma narrativa religioso-ideológica do Antigo Testamento construída posteriormente, com a qual Aristóteles não poderia estar familiarizado na época”.
A descrição de Aristóteles sobre o “lago da Palestina” é bastante específica e Jan Gunneweg (2016, p. 1) também a confirma: “até mesmo Aristóteles mencionou o lago da Palestina, em que ele descreve o que chamamos de Mar Morto.” Em Masalha (2018) podemos encontrar também a citação de Aristóteles: “Novamente, se, como se diz, houver um lago na Palestina que, se você amarrar um homem ou animal e jogá-lo lá, ele flutua e não afunda, isso confirmaria o que dissemos. Dizem que esse lago é tão amargo e salgado que nenhum peixe vive nele e que, se você mergulhar as roupas nele e sacudi-las, elas ficarão limpas.”
Podemos ir ainda mais longe e encontrar menção à Palestina nos escritos de Heródoto, o pai da história, cerca de 100 anos antes de Aristóteles. Foi nos escritos de Heródoto – que viveu no século V a.C. (c. 484-425 a.C.) – que o nome assumiu sua forma grega Παλαιστίνη (Palaistinê ou Phalastin) e foi usado como o nome da região. Heródoto fala sobre a ‘Palaestina’, a ‘Palaestina-Síria’ e os “sírios da Palestina” e distingue os fenícios dos “sírios da Palestina”. Ele também descreve a geografia da região ao que hoje é associado ao moderno Oriente Médio, mencionando regiões da Pérsia, do golfo Árabe, passando pela Palestina e chegando até o Egito.
Heródoto usa o termo em seu sentido mais amplo e não apenas em referência à Filístia, ou à faixa costeira de terra do Carmelo a Gaza, mas também ao interior do país. Gunneweg (2016, p. 3), citando Heródoto, especifica os limites: “Da Fenícia até os limites de Gaza [grego Caditis], o país pertence aos sírios conhecidos como ‘palestinos’…” Heródoto também fez menção à cidade de Ascalão e ao seu templo politeísta dedicado a Afrodite Urânia, isto é, o aspecto celestial e divino da deusa grega. O culto a Afrodite Urânia também era associado ao mar e existia em várias cidades palestinas, inclusive na antiga cidade portuária de Jaffa, muitas vezes chamada em árabe pelos palestinos de “Arus al-Bahr” (Noiva do Mar), conforme vemos em Masalha (2018, p. 74).
Caso Heródoto e Aristóteles ainda não sejam o suficiente para refutar o mito sionista, vamos voltar mais um pouco no tempo: o uso do nome “Palestina” e seus cognatos é ainda mais antigo, encontrando-se em fontes egípcias e assírias. As inscrições egípcias de 3.200 anos fazem referência aos “Peleset”, um dos Povos do Mar que se assentaram na costa sul palestina durante o fim da Idade do Bronze. O nome Pelest referia ao povo no sul do levante, aliados dos ‘líbios’. Essas menções datam dos reinados de Ramsés II, Ramsés III e Merneptah (séculos XIII-XII a.C.). Gunneweg (2016) também aponta para uma outra possível menção egípcia no Templo de Aby Hawam (1150 a.C.) mencionando o nome “Pilestim ou Pirestim”.
Os Peleset, frequentemente associados aos Filisteus bíblicos, ocupavam uma região que se estendia de Gaza ao sul até Tantura (Dor) ao norte, penetrando também no interior. Com o tempo, o nome Peleset (e suas variantes) passou a designar uma área geográfica mais extensa.
As fontes assírias também corroboram o uso antigo de termos similares. Mais uma vez nos valendo do artigo de Gunneweg (2016), o autor elucida que os assírios mencionam o nome Palashtu/Palastu ou Pilistu na placa de Nimrud, datada de cerca de 800 a.C. Masalha (2018, p. 60) fornece mais detalhes: “Em sete tabuletas de argila assírias e inscrições cuneiformes conhecidas de diferentes períodos, os assírios chamavam a região ligada à Palestina moderna de “Palashtu”, ‘Palastu’ ou “Pilistu”, e chamavam as pessoas que viviam nessa região de palestinos: ‘pa-la-as-ta-a-a’, começando com o rei da Assíria Adad-Nirari III (de 811 a.C. a 783 a.C.) nas ‘inscrições de Nimrud’ em 800 a.C. até Esarhaddon (que reinou de 681 a 669 a.C.) mais de um século depois.”
Já no período romano, eles mantiveram a terminologia. Podemos ainda observar o nome grego Palaistine e o nome latino Palaestina sendo repetidos com certa frequência nas obras clássicas da literatura, bem como por poetas e historiadores, como sendo o país entre o Egito e a Fenícia. Ovídio, em sua obra “Ars Amatoria“, menciona “o festival do sétimo dia que o Sírio da Palestina [Palaestino Syro] observa”.
Outros autores romanos, como Plínio, o Velho, e Pompônio Mela (ambos do século I d.C.), também trataram a Palestina como uma entidade distinta em suas obras geográficas. Por fim, o geógrafo e cartógrafo Cláudio Ptolomeu (c. 100–c.170 d.C.), em seu influente mapa-múndi, fez uma clara distinção entre Celessíria, Fenícia e Palestina como três países distintos. Ptolomeu produziu o primeiro mapa conhecido a descrever a Palestina, provando que ela era concebida e tratada como uma entidade separada e autônoma. Esta distinção ptolomaica teve um impacto duradouro na cartografia e na percepção geográfica da região.
Por fim, não bastasse a ocultação e distorção histórica dos últimos 100 anos – sem falar do período otomano e pré-otomano –, os sionistas buscam falsificar a história antiga. O resultado dessa empreitada é dar de cara com uma muralha erguida e sustentada por inúmeras citações provenientes desde o Antigo Egito que dilaceram qualquer tentativa tosca de revisionismo histórico, revisionismo esse que tenta construir uma identidade fictícia de pertencimento à terra, buscando justificar a expulsão de seus legítimos donos e possuidores.
Referências
GUNNEWEG, J. Who was the first in naming a country “Palestine”? Working Paper, 2016.
HJELM, I. et al. (EDS.). A new critical approach to the history of Palestine: Palestine history and heritage project 1. Routledge, 2021.
MASALHA, N. Palestine: A Four Thousand Year History. Zed Books, 2018.