Mísseis, estilhaços e fósforo branco: o inferno das crianças em Gaza

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Enquanto o mundo volta seus olhos para o conflito entre Irã, Israel e agora EUA, não podemos nos esquecer do que acontece em Gaza. A cada dia que passa, mais e mais imagens aterrorizantes chegam da Palestina, bem como aumenta o número de denúncias contra o Estado de Israel.

Médicos e especialistas em armamentos que atuam em Gaza relataram que armas de fabricação israelense, projetadas para dispersar altos níveis de estilhaços, estão causando ferimentos catastróficos em civis, afetando desproporcionalmente as crianças. Cirurgiões estrangeiros que trabalharam nos hospitais Al-Aqsa e Europeu descreveram feridas extensas e graves, causadas por estilhaços de “fragmentação” que, segundo os especialistas, têm como objetivo maximizar o número de vítimas ao invés de destruir edifícios.

A natureza dessas lesões é particularmente insidiosa. Cirurgiões, como Feroze Sidhwa, da Califórnia, relatam que muitas das feridas tratadas em crianças envolviam fragmentos de estilhaços minúsculos que deixavam feridas externas mínimas, quase imperceptíveis, mas que causavam danos internos devastadores. Cerca de metade das lesões que Sidhwa tratou foram em crianças, e essas “feridas de estilhaços” eram muito menores do que qualquer coisa que ele já havia visto, mas com um poder destrutivo interno tremendo.

Cubos removidos de uma criança por Sanjay Adusumilli, cirurgião australiano que trabalha no hospital de Al-Aqsa, no centro de Gaza. Fotografia: Obtida pelo The Guardian

As crianças são especialmente vulneráveis a esse tipo de armamento devido à sua constituição física. Seus corpos e órgãos vitais são menores, o que os torna mais fáceis de atingir e romper. O reparo cirúrgico torna-se extremamente difícil; os vasos sanguíneos de uma criança são tão pequenos que, uma vez lacerados, é muito difícil reconstruí-los. Como explicou um cirurgião, a artéria femoral em uma criança pequena tem a espessura de um macarrão (“noodle”, na entrevista concedida ao The Guardian), o que ilustra a extrema dificuldade em salvar um membro ferido. Não somente, mas é extremamente difícil até mesmo de visualizar as lesões causadas por tais estilhaços devido ao tamanho das feridas.

Radiografia dos danos causados ​​à perna de um jovem de 15 anos por estilhaços de fragmentação, alguns dos quais ainda estão alojados no osso. O cirurgião disse: “Os estilhaços entraram pela esquerda na tíbia e saíram pela fíbula à direita da imagem. Nossa palavra para osso muito fragmentado é ‘cominuído’. A cominuição óssea não pode ser maior do que isso.” O cirurgião colocou uma placa de aço inoxidável parafusada na tíbia. Fotografia: The Guardian

As armas específicas identificadas incluem projéteis e mísseis equipados com “mangas de fragmentação” (fragmentation sleeves). Um exemplo é o projétil M329, que contém submunições envoltas em uma “camada de fragmentação” feita de cubos de tungstênio. Quando explode, esses cubos são projetados em todas as direções, cobrindo um raio de 20 metros, sendo muito mais letais do que a própria explosão. Um cirurgião australiano, Sanjay Adusumilli, recuperou pequenos cubos de metal do corpo de um menino, que batem com a descrição dessas armas.

Além das armas de fragmentação, há denúncias sobre o uso de fósforo branco. A Human Rights Watch (HRW) verificou vídeos que mostram seu uso em áreas civis densamente povoadas de Gaza. O fósforo branco tem um efeito incendiário devastador, causando queimaduras graves que podem chegar até os ossos, uma vez que a substância é altamente solúvel em gordura e continua a queimar enquanto estiver em contato com o oxigênio. Além de Gaza, Israel já foi acusado de utilizar o fósforo branco no Líbano.

O uso de fósforo branco como arma é proibido pelo direito internacional, especificamente pelo Protocolo III da Convenção sobre Armas Convencionais de 1980, devido ao seu poder letal e ao sofrimento extremo que provoca. Embora o Líbano tenha ratificado esse protocolo em 2017, Israel nunca o fez, o que levanta sérias questões éticas e legais sobre seu uso em zonas urbanas.

Airbursts of artillery-fired white phosphorus fall over the Gaza city port, October 11, 2023.

Explosões de fósforo branco disparadas por artilharia atingem o porto da cidade de Gaza, em 11 de outubro de 2023. © 2023 Mohammed Adeb/AFP via Getty Images

Ainda existem alegações mais extremas sobre o uso de “armas térmicas” ou “bombas de vácuo”. O Euro-Med Human Rights Monitor solicitou uma investigação sobre o potencial uso de bombas que geram um calor tão intenso que os corpos das vítimas parecem “evaporar” ou “se transformar em cinzas”. O grupo de direitos humanos baseia essas preocupações em testemunhos e no fato de que milhares de corpos em Gaza permanecem desaparecidos.

O custo humano dessas armas é personificado na história de Jouri, relatado pelo Dr. Sidwha ao The Guardian, uma menina de nove anos gravemente ferida por estilhaços em Rafah. Ela foi encontrada morrendo de sepse, com os tecidos das nádegas e pernas destruídos, expondo o osso pélvico. Embora os médicos tenham conseguido salvar sua vida, tiveram que amputar sua perna. Para Jouri, a sobrevivência significa uma vida de deficiência permanente e a necessidade de cirurgias complexas que dificilmente encontrará em Gaza. Vale lembrar, conforme publicamos recentemente, que Israel controla todos os aspectos da vida dos palestinos, inclusive a sua entrada e saída. 

O resultado prático do uso dessas armas é um número inacreditável de amputações, especialmente em crianças, como descreveu o cirurgião Adusumilli. Muitas vezes, a única opção para salvar uma vida é amputar um braço ou uma perna. A UNICEF estimou que, apenas nas primeiras 10 semanas do conflito, cerca de 1.000 crianças perderam uma ou ambas as pernas, uma consequência direta da natureza desses ataques em áreas civis. Conforme o Dr. Adusumilli: “Foi inacreditável o número de amputações que tivemos de fazer, especialmente em crianças. A opção que você tem para salvar a vida delas é amputar a perna, as mãos ou os braços. Era um fluxo constante de amputações, todos os dias.”

A organização Action on Armed Violence (AOAV) conclui que os depoimentos dos médicos, combinados com as estatísticas alarmantes da UNICEF e de outras organizações humanitárias, ressaltam a necessidade urgente de intervenção internacional. O uso desses armamentos letais em áreas densamente povoadas, com um impacto tão devastador sobre as crianças, exige que os responsáveis por essas atrocidades sejam responsabilizados. Contudo, dado o cenário atual de iniquidade no mundo, sabemos que infelizmente não podemos esperar esse apoio de qualquer Estado ou organismo internacional, visto que qualquer país que tentar se opor ao genocídio perpetrado por Israel irá necessariamente se indispor com os EUA, podendo em breve ser invadido ou bombardeado sob alegações de que estão produzindo armas de destruição em massa.

Referências

MCGREAL, C. Israeli weapons packed with shrapnel causing devastating injuries to children in Gaza, doctors say. The Guardian, 11 jul. 2024. Disponível em: Acesso em: 22 jun. 2025

OVERTON, I. Israeli shrapnel weapons causing severe injuries to Gaza children, say doctors. Disponível em: <https://aoav.org.uk/2024/israeli-shrapnel-weapons-causing-severe-injuries-to-gaza-children-say-doctors/>. Acesso em: 22 jun. 2025.

Israel using thermal weapons that melt, evaporate victims’ bodies in Gaza: Rights group. PressTV 1 maio 2024. Disponível em: <https://www.presstv.ir/Detail/2024/05/01/724711/Israel-may-be-using-banned-weapons-in-Gaza-that-melt-victims-bodies>. Acesso em: 22 jun. 2025

ROSENZWEIG, M. HRW Confirms Israel is Using a Weapon that Burns Skin Down to the Bone. LeftVoice, 14 out. 2023. Disponível em: <https://www.leftvoice.org/hrw-confirms-israel-is-using-a-chemical-weapon-that-burns-skin-down-to-the-bone/>. Acesso em: 22 jun. 2025.

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