Qual é a guerra de Netanyahu?

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Texto de David Shulman, publicado no The New York Review em 24 de julho de 2025. Tradução de Guilherme Freitas.

Durante muitos anos, ativistas israelenses de direitos humanos nos territórios palestinos ocupados têm dito, tão veementemente quanto possível, que o sistema intrincadamente interligado da ocupação — colonos, soldados, polícia, tribunais militares, a mídia e, por trás de tudo, o governo — tem se comprometido com um único objetivo primordial: a limpeza étnica implacável em toda a Área C (os 60% da Cisjordânia sob controle israelense) e, mais recentemente, em partes da Área B (os 22% sob controle conjunto israelense-palestino). O roubo de vastas extensões de terra palestina tem sido o principal mecanismo. Os tribunais, incluindo a Suprema Corte, geralmente têm compactuado com isso. A violência brutal dos colonos contra os aldeões palestinos tornou-se rotina, como tenho documentado frequentemente nestas páginas.

Fizemos o que pudemos para deter essa máquina implacável. Ao longo dos anos, tivemos muitas vitórias relativamente menores que, no entanto, foram cruciais para a sobrevivência de clãs e famílias inteiras; após longos anos de luta tediosa no campo e nos tribunais, muitos acres de terra palestina foram devolvidos aos seus legítimos proprietários. Mas o que temos visto nas últimas semanas, seguindo a violência contínua contra as comunidades palestinas desde o início da guerra de Gaza, é o desfecho da tragédia. Agricultores e pastores palestinos na Cisjordânia são cortados do acesso à água, atacados por colonos criminosos e repetidamente ameaçados de morte; seus rebanhos são roubados em grande número pelos colonos, com o apoio ativo da polícia e dos soldados; a infraestrutura mínima nas aldeias — eletricidade, saneamento, moradia, reservas de alimentos — está sendo devastada. Cerca de sessenta aldeias foram destruídas e seu povo, violentamente expulso. Em suma, a vida para os palestinos na Área C tornou-se um inferno.

Que não haja dúvidas. Esta é a segunda Nakba, agora em pleno andamento. Estamos vendo crimes de guerra e crimes contra a humanidade em grande escala. Quero descrever o que aconteceu na outrora adorável aldeia de Magha’ir a-Dir, no centro da Cisjordânia, não muito longe de Ramallah.

Em 18 de maio, colonos israelenses chegaram à aldeia e começaram a construir os rudimentos de um posto avançado a poucos metros dos apriscos e casas palestinas. Nos últimos dois anos, a importunação dos colonos tem sido uma realidade cotidiana. Costumávamos proteger os aldeões todas as manhãs, ao amanhecer, quando eles pegavam água de um cano perto da principal estrada norte-sul. Eles pagavam pela água, mas os colonos tentaram repetidamente impedi-los de encher seus reservatórios. Às vezes, os colonos atiravam neles. Agora, eles estavam se instalando dentro da aldeia para perseguir seu objetivo de expulsar seu povo de uma vez por todas. E os palestinos sabiam o que os esperava se tentassem ficar em suas casas. Em uma semana, eles haviam fugido — não sei para onde.

Mesmo enquanto os aldeões desmontavam suas casas e cercas, tentando salvar algum resquício de suas vidas anteriores, em 24 de maio, os colonos atacaram, atirando, jogando pedras e espancando-os violentamente com porretes. Pelo menos oito palestinos ficaram feridos, juntamente com dois ativistas israelenses que tentavam protegê-los; um destes últimos, Avishay Mohar, foi hospitalizado com ferimentos graves. Não bastava para os colonos terem destruído a aldeia; eles não conseguiam resistir ao impulso de infligir mais dor. Eles são motivados por um ódio intenso por todo o povo árabe e por uma ideologia messiânica depravada — uma paródia da tradição judaica. Como um deles disse quando o posto avançado foi estabelecido em Magha’ir a-Dir: “É assim que a redenção se parece”.

Os colonos agora estão tentando a mesma tática em duas aldeias que conheço bem no sul do Vale do Jordão: Mu’arrajat e Ras al-‘Ain. Estamos fazendo o que podemos para detê-los, mas o futuro parece sombrio. No início de março, um grupo de cinquenta ou mais colonos armados invadiu Ras al-‘Ain, com soldados e policiais os liderando, e roubou entre 1.000 e 1.500 ovelhas. Os pastores beduínos vivem de suas ovelhas. A perda financeira para as famílias é de mais de um milhão de shekels israelenses (cerca de US$ 300.000), possivelmente mais do que o dobro dessa quantia. Essas são pessoas que vivem uma existência precária em condições de extrema dificuldade, com os colonos sempre à sua espreita. Os primórdios de um novo posto avançado de colonos foram agora construídos bem dentro de Ras al-‘Ain, tornando a ameaça de expulsão imediata. Os colonos já araram um campo — sempre uma reivindicação de propriedade.

Quem são esses colonos violentos? Muitos deles são adolescentes perturbados que encontraram refúgio, e algum sentido para suas vidas, nos cancerígenos postos avançados espalhados pela Área C. Eles passaram por lavagem cerebral e foram treinados para odiar e matar. Frequentemente, quando os encontro no campo, eles parecem confusos, hesitantes em sua fala e pensamentos, deslocados, mas transbordando de inimizade. Recentemente, um deles me disse: “Você não sabe que todos os árabes querem apenas uma coisa, que é matar judeus? Você não consegue encontrar um único árabe que não anseie por fazer isso”. É mais ou menos impossível romper as barreiras que foram erguidas em suas mentes. Eles também são fanaticamente religiosos, se é que se pode usar essa palavra para a visão nefasta que nutriram.

Mas entre eles também há homens mais velhos (quase nenhuma mulher), alguns deles residentes de segunda ou terceira geração dos assentamentos israelenses na Palestina. São eles que doutrinam e que dão as ordens. Você não gostaria de encontrá-los em um beco escuro, muito menos nas colinas rochosas do sul de Hebron ou no Vale do Jordão. Eles foram armados por Itamar Ben-Gvir, o criminoso condenado que é o ministro da segurança nacional de Benjamin Netanyahu.

Pode-se ver evidências de sadismo em seu comportamento. Por exemplo, em uma noite no início de maio, um grupo de seis ou sete colonos invadiu a casa de uma família na aldeia de Mu’arrajat e atacou todos — crianças, mulheres, homens — com spray de pimenta. Por experiência própria, posso dizer que é uma tortura. Você pensa que ficou cego, e a dor ardente às vezes dura horas. Não tenho palavras para descrever o que é preciso para fazer isso a uma criança.

Ou considere a questão sempre crítica da água. As temperaturas diurnas no Vale do Jordão, agora e durante todo o verão, estão acima de 40 graus Celsius. Você não consegue sobreviver lá por mais de algumas horas sem água. Então imagine o colono, mascarado, a cavalo, que entrou em Mu’arrajat e abriu a torneira do reservatório de água que havia sido enchido naquela manhã. A água jorrou e encharcou o solo rochoso. Ele foi filmado por um dos aldeões. A privação de água também se tornou uma realidade constante em Ras al-‘Ain e em todas as outras aldeias beduínas no vale. Assentamentos israelenses próximos têm água corrente e piscinas.

Como todos sabem, em Gaza, ou no que restou dela, a escala de vítimas é imensa. Dezenas de milhares de crianças, mulheres, idosos e outros inocentes foram mortos por bombardeios israelenses. Noventa por cento das casas e 60 a 70 por cento dos edifícios foram destruídos. Toda a população, cerca de 2,1 milhões de pessoas, está sendo encurralada em uma área lotada perto de Rafah — talvez um quarto do tamanho de toda a Faixa de Gaza — possivelmente em preparação para o plano de Netanyahu de “transferência voluntária” para alguma outra terra. A Líbia, um estado falido, continua surgindo como um possível destino. É surreal até mesmo imaginar tal perspectiva, quanto mais realizá-la, mas Netanyahu fala sobre isso como um objetivo alcançável. Esqueça a palavra “voluntária”: esta seria uma Nakba que superaria em muito a primeira de 1948. Uma pesquisa publicada no Haaretz no final de maio mostrou que 82% da população israelense apoia esse plano desumano. Uma pesquisa mais profissional conduzida na mesma época por três cientistas políticos da Universidade de Tel Aviv colocou o apoio à transferência em 53% da população judaica de Israel, o que oferece um pequeno alívio*. Isso significa, no entanto, que segmentos substanciais até mesmo do centro-esquerda israelense, aquela parte do eleitorado que ainda está comprometida com a democracia, não têm problema com a limpeza étnica, pelo menos em Gaza.

O trauma de 7 de outubro e as atrocidades do Hamas levaram um grande número de israelenses à vingança. Netanyahu explicou aos seus parceiros de coalizão e ao público em geral que os amigos de Israel no exterior não gostariam de ver uma fome em massa em Gaza; aparentemente nunca lhe ocorreu que se tratava de uma catástrofe moral. A população palestina na Área C da Cisjordânia é de aproximadamente 400.000, segundo Shaul Arieli, a autoridade mais bem informada. A direita israelense quer expulsá-los. Esta é a realidade abominável que estamos enfrentando.

O governo agora aprovou o estabelecimento e a legalização de mais vinte e dois assentamentos judaicos espalhados pela Cisjordânia. O investimento do governo em infraestrutura para assentamentos e postos avançados israelenses nas Áreas C e B — estradas, eletricidade, água, moradia subsidiada, proteção militar — escoa bilhões de shekels israelenses a cada ano. As reservas de terras palestinas em todas as Áreas C e B foram alvo bem-sucedido dos postos avançados ilegais de colonos estabelecidos para esse propósito expresso, sem contar as terras que foram roubadas pelos assentamentos mais antigos que são legais sob a lei israelense. Recentemente, Israel também começou a erguer assentamentos sancionados pelo governo na Área B, supostamente sob controle administrativo palestino, em direta contravenção dos Acordos de Oslo e, desnecessário dizer, do direito internacional.

O ponto crucial a se ter em mente é que projetar a segunda Nakba e anexar os territórios ocupados são partes integrantes da guerra de Netanyahu contra as instituições democráticas do Estado de Israel, sua solidariedade social e, acima de tudo, o Estado de direito. Ele continua a desafiar a Suprema Corte e suas decisões. Ele é um homem fraco, sem qualquer traço de fibra moral, mas com um talento incomparável para a destruição. O estado que ele, em teoria, governa está se desfazendo. Na prática, o que resta dele está agora nas mãos dos dois pilares da coalizão baseada no Likud: Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, o ideólogo messiânico da supremacia judaica que é ministro das finanças.

Uma concepção equivocada que prevalece define Netanyahu como um oportunista cínico, quando na verdade ele é um extremista radical como seu falecido pai, Ben-Gvir e Smotrich. Sua vida inteira foi dedicada à ideia de que é possível aniquilar o movimento nacional palestino para sempre. Atualmente, ele fala em público de uma alternativa à “narrativa de Oslo”, que se baseava na mutualidade entre os dois povos em Israel/Palestina. Pode-se adivinhar como será essa alternativa.

Ainda assim, há vigorosos protestos e resistência em algumas partes de Israel, embora não no Knesset, onde os chamados partidos de oposição são completamente impotentes. (Naama Lazimi e Gilad Kariv, dos Democratas, são exceções notáveis.) A verdadeira resistência acontece nas ruas e na sociedade civil. Dezenas de milhares de israelenses comuns manifestam-se todas as semanas contra o governo, contra a guerra de Gaza e pelo retorno urgente dos reféns ainda detidos pelo Hamas. Muito menores em número, mas às vezes com um impacto desproporcional, são os ativistas das muitas organizações voluntárias que trabalham nos territórios palestinos. Muitos deles são jovens comprometidos com os valores democráticos liberais clássicos — igualdade, bondade, tolerância e o Estado de direito — e que estão preparados para correr os riscos envolvidos no confronto com os colonos e os nacionalistas apocalípticos. Outros, como o notável grupo Filhos de Abraão, inspiram-se em fontes judaicas humanas e historicamente moderadas; eles são mais propensos a citar Maimônides do que Hannah Arendt. Eles passam os fins de semana de Shabat de guarda em aldeias como Ras al-‘Ain, e eles têm a resistência e a coragem de que se precisa lá.

É um privilégio trabalhar entre esses ativistas, que pensam que o que estão fazendo não é nada especial, apenas a resposta natural de qualquer pessoa normal em tempos de grave crise e opressão. A empatia, o oposto do ódio, é a força interior que os guia. Às vezes, penso que há uma beleza especial em lutar por causas nobres perdidas.

Tivemos agora uma guerra de doze dias com o Irã e passamos muitas horas nos abrigos antiaéreos. Um frágil cessar-fogo está vigente. Há alívio nisso, mas não compartilho da euforia que está inundando o mainstream israelense. Se tivermos sorte, a guerra de Gaza finalmente terminará, e os reféns sobreviventes voltarão para casa. Netanyahu estará livre para se concentrar no projeto de Nakba e em fomentar mais ódio. Nossos amigos palestinos na Cisjordânia às vezes dizem, corretamente: “Guerra ou não, pouco importa — estamos vivendo à beira de um abismo”. Os ataques dos colonos às suas aldeias se intensificaram, como esperado, durante os combates. E se os inimigos externos de Israel foram temporariamente derrotados, a doença interna desenfreada deste país permanece por ser curada.

— 25 de junho de 2025

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