Tudo começou quando o Patriarca da Igreja Ortodoxa Grega, Teófilo III de Jerusalém, se encontrou no dia 13 de setembro de 2025 com o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdoğan. O encontro ocorreu no contexto de um encontro ecumênico entre líderes de diversas religiões em Istambul para condenar o genocídio em Gaza.
O encontro ocorreu em setembro de 2025, em meio à catástrofe humanitária em Gaza.
Teófilo e Erdoğan discutiram sobre os ataques israelenses a Gaza, a deterioração da catástrofe humanitária na região e a situação política de Jerusalém.
Um dos focos do encontro foi reenfatizar o duradouro legado do Pacto de Omar, estabelecido no século VII entre o então patriarca de Jerusalém, Sofrônio, e o segundo Califa do Islã, Omar ibn al-Khattab. Este pacto é reconhecido, sobretudo pelos cristãos da região, como o principal fundamento que permitiu que os locais sagrados cristãos e suas instituições ligadas às igrejas cristãs na região governada pelos muçulmanos fossem protegidas.
O Patriarca destacou que este Pacto, que mais tarde receberia adição sob os governos islâmicos posteriores, principalmente o Império Otomano em seu acordo de Status Quo, continua a salvaguardar a diversidade em Jerusalém e a coexistência entre as diversas comunidades religiosas que a cidade abriga.
Teófilo enfatizou que o patrimônio das instituições da Igreja deve ser preservado como testemunho vivo da história e da fé, expressando também profunda gratidão pelo reconhecimento por parte do presidente turco da importância deste patrimônio na Turquia, que tem empreendido renovações de igrejas e monastérios históricos nos últimos anos.
Ele também disse que os líderes muçulmanos de todo o mundo são “herdeiros do Pacto de Omar” e que, portanto, compartilham a proteção das comunidades cristãs e dos locais sagrados, um dever atualmente liderado pela Dinastia Hachemita, guardiã dos locais sagrados não só dos cristãos, mas também dos muçulmanos na Terra Santa.
Uma reprodução escrita do Pacto de Omar foi presenteada ao presidente turco. Esse presente, que relembra à Turquia que ela também é parte interessada da proteção da Cidade Santa, gerou um mal-estar na região, sobretudo por parte dos israelenses. O gesto também foi interpretado como uma “introdução simbólica” da Turquia ao círculo de estados defensores da Terra Santa.
Fotografia oficial da réplica do Pacto de Omar entregue ao presidente turco em setembro.
Ao mesmo tempo que elogiou a atuação da Dinastia Hachemita na proteção dos locais sagrados em Jerusalém, Teófilo acaba por chamar outro grande ator para se responsabilizar por esta função. Tudo isso num momento em que a autoridade hachemita vem sendo crescentemente questionada pelos muçulmanos ao redor do mundo. É possível entender que este convite seja, também, uma espécie de tentativa de se preparar para um cenário em que os hachemitas já não serão capazes de manter o Status Quo de Jerusalém.
Teófilo III foi uma das poucas pessoas que receberam a permissão de Israel para visitar a Faixa de Gaza durante a última incursão israelense. Ele e o Patriarca Latino de Jerusalém, Pierbattista Pizzabella, visitaram a região em julho, para examinar os danos causados à Igreja da Sagrada Família após um ataque israelense que matou três pessoas.
Téofilo e Pizzabella em Gaza em julho de 2025.
Citando o Apóstolo Paulo, Teófilo lembrou: “Se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens” (Romanos 12:18).
Ele destacou que este espírito de paz deve guiar a defesa do Status Quo histórico, que salvaguarda o patrimônio sagrado de Jerusalém e preserva o mosaico das várias fés da cidade. Teófilo também afirmou que uma cooperação renovada é essencial para assegurar que os locais sagrados e que o patrimônio da Igreja continue servindo como uma fonte viva de unidade e esperança para todos os povos da região.
Alguns dias depois, Netanyahu declarou que Jerusalém é propriedade eterna dos judeus e que “não será dividida mais uma vez”. Sua fala foi interpretada como uma tentativa de rebater a uma declaração de Erdoğan feita em 2020, que disse: “Jerusalém é nossa cidade, uma cidade da gente!” e, em 2025, que Gaza, Jerusalém Oriental e Cisjordânia pertencem aos palestinos, sendo “sua pátria eterna”.
“Esta cidade é nossa, sr. Erdogan!” declarou Netanyahu em evento na “Cidade de Davi” em Jerusalém.
Israel tem buscado formas de enfrentar a presença turca na região. Num encontro da Organização para a Cooperação Islâmica em junho de 2025, Erdoğan tem acusado Netanyahu de ser responsável pelo genocídio em Gaza, comparou-o a Hitler e o chamou de “maior obstáculo para a paz regional”. Ele também afirmou que os ataques israelenses contra o Irã eram tentativas de sabotar as negociações nucleares entre os iranianos e o Ocidente e impôs restrições comerciais contra Israel, além de estar expandindo a influência turca na Síria, país vizinho de ambos.
Netanyahu aproveitou outras ocasiões para cutucar os turcos, afirmando, em junho de 2025, que “o Império Otomano não será revivido tão cedo”. O embate retórico ocorre desde 2010, quando Turquia e Israel estremeceram seus laços, após um ataque israelense a uma embarcação da Flotilha da Liberdade, que deixou 10 cidadãos turcos mortos.
Referências:
JERUSALEM PATRIARCHATE. H.B. Theophilos III and President Erdoğan Reaffirm Status Quo as Pillars of Jerusalem’s Sacred Heritage. 13 set. 2025.
JERUSALEM PATRIARCHATE. Patriarch Theophilos III and Cardinal Pierbattista Pizzaballa in Gaza: The Church’s Humanitarian Presence Amid Catastrophe Is a Sacred Duty. 18 jul. 2025.
DAILY SABAH. Erdoğan stresses protection of Jerusalem in talks with patriarch. 14 set. 2025.
DAILY SABAH. Erdoğan strikes back at Netanyahu over Jerusalem heritage. 16 set. 2025.
DINDIREK, Hamdi; SEVENCAN, Seda. Patriarch of Jerusalem presents historic covenant replica to Turkish president. Anadolu Agency. 14 set. 2025.
ISAACSON, Gila. Netanyahu Declares Jerusalem ‘Ours Forever’ in Direct Rebuttal to Erdogan. JFEED. 16 set. 2025.