Plano Yinon: a estratégia israelense de fragmentação do Oriente Médio

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A instabilidade que assola o Oriente Médio há décadas é frequentemente analisada sob a ótica de conflitos internos, religiosos e étnicos. No entanto, documentos estratégicos e análises políticas sugerem a existência de um plano de longo prazo, arquitetado por Israel, que visa precisamente fomentar essa fragmentação como meio de garantir sua hegemonia regional. Conhecido como “Plano Yinon”, este projeto desenvolvido nos anos 1980 propõe a dissolução dos Estados árabes vizinhos em pequenos e fracos protetorados sectários, incapazes de oferecer uma resistência unificada. Os recentes acontecimentos no sul da Síria, envolvendo a minoria drusa e a intervenção militar israelense após a queda de Bashar al-Assad, reacendem o debate sobre a atualidade deste plano e a possível criação de um novo estado-tampão na fronteira de Israel.

Historicamente, a política externa de Israel tem sido um vetor de instabilidade, como evidenciado desde a sua fundação em 1948, um evento que coincidiu com a “Nakba” palestina. Décadas mais tarde, em 1980, a estratégia de enfraquecimento dos vizinhos foi formalizada por Oded Yinon, então conselheiro de Ariel Sharon. Seu plano visava a criação de uma “Grande Israel” que dependeria da fragmentação do Iraque, Síria, Líbano, Jordânia e Egito. A lógica por trás da estratégia era explorar as vulnerabilidades étnicas e religiosas inerentes a esses países, impedindo qualquer forma de unificação geopolítica que pudesse ameaçar a supremacia israelense na região. O professor Israel Shahak, ao comentar o plano, confirmou sua natureza divisionista, descrevendo-o como um roteiro para a balcanização de toda a área.

A estratégia de Yinon era detalhada e específica para cada nação. Para o Iraque, previa-se a exploração da divisão entre a maioria xiita e a minoria dominante sunita, além da minoria curda no norte, visando uma guerra civil que enfraqueceria o regime de Saddam Hussein. Para a Síria e o Líbano, o plano professava um fatiamento similar, com base em linhas étnicas e religiosas, resultando em múltiplos mini-estados: um Estado Xiita Alauíta na costa, um Estado sunita em Alepo, outro em Damasco, e, crucialmente, um Estado druso que poderia se estender até as Colinas de Golã ocupadas. Este arranjo, segundo Yinon, seria a “garantia da paz e da segurança na região a longo prazo”. É a milenar tática do “dividir para conquistar”, mantendo os inimigos focados em questões internas e fragilizados externamente.

Longe de ser um mero exercício acadêmico ou teoria da conspiração, o Plano Yinon encontrou ressonância na política externa dos Estados Unidos, especialmente durante a administração de George W. Bush. Segundo a jornalista Linda Furr, os ideólogos neoconservadores, muitos deles com fortes laços sionistas, adotaram a lógica de Yinon, transformando-a na política externa americana. A invasão do Iraque em 2003 e a subsequente guerra civil sectária são vistas por muitos analistas como a aplicação prática dessa doutrina. A ascensão do Estado Islâmico (ISIS) no vácuo de poder deixado no Iraque e na Síria também é ligada a esta estratégia, sendo interpretada como uma ferramenta para aprofundar a balcanização da região e justificar intervenções externas que servissem aos interesses do eixo EUA-Israel.

Os sionistas neoconservadores dos Estados Unidos, como Richard Perle e Paul Wolfowitz, agarraram-se a este plano de Oded Yinon, enfiaram-no silenciosamente nos think tanks de direita e bem financiados de Washington (ou seja, no American Enterprise Institute) e o resto é história. Quando Perle, Wolfowitz, Donald Rumsfeld, John Bolton, Victoria Nuland, etc, começaram a ocupar a Casa Branca e o Departamento de Estado de George W. Bush, em 2001, os planos para uma “ Grande Israel” tornaram-se a política externa dos EUA. (FURR, 2017, p. 3).

A política de Israel em relação aos grupos minoritários, como os drusos, tem sido historicamente ambivalente e estratégica. Desde a década de 1930, líderes sionistas buscaram estabelecer relações com a comunidade drusa, posicionando-os como um grupo distinto dos árabes para fragmentar a identidade palestina. Esta política foi consolidada com a definição dos drusos como uma nacionalidade distinta em 1962 e a imposição do serviço militar obrigatório na IDF, uma medida que visava separá-los da comunidade árabe e aproximá-los da comunidade judaica. Apesar de servir no exército, a comunidade drusa continuou a enfrentar discriminação institucional, revelando que sua integração era mais um meio para um fim estratégico do que um objetivo de igualdade social, servindo como meros peões no xadrez geopolítico.

Mais recentemente, com a queda do regime de Assad e a eclosão de violência na província de Suwayda, no sul da Síria — uma região de maioria drusa —, Israel encontrou uma oportunidade de ouro para intervir. O conflito, que começou como um confronto entre beduínos e drusos, escalou com a intervenção das forças governamentais sírias, levando a um banho de sangue. A resposta de Israel foi imediata e militar. Sob a alegação de proteger a minoria drusa, o exército israelense bombardeou o Ministério da Defesa da Síria em Damasco. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, ao mesmo tempo em que pedia aos drusos israelenses que não cruzassem a fronteira, prometia proteção aos seus correligionários na Síria, posicionando Israel como o guardião da comunidade.

A intervenção israelense não ocorre no vácuo, ex nihilo, mas explora divisões preexistentes dentro da própria comunidade drusa síria. Enquanto líderes como Sheikh Youssef Jaboua defendem a integração em uma Síria unificada e se opõem a qualquer interferência externa, outra facção, liderada pelo Sheikh Hekmat al-Hijri, opõe-se a Damasco e busca uma aliança com Israel. Al-Hijri chegou a pedir intervenção estrangeira e defendeu a normalização das relações com o Estado sionista, afirmando que “o inimigo não está em Israel, está em Damasco”.

Embora pareça ser “apenas” um rumor dadas as circunstâncias atuais de escassez de informações, a criação de um estado druso no sul da Síria com apoio israelense parece ser a confluência de todos esses fatores. A existência de um plano de longa data para a fragmentação da Síria (Plano Yinon), a política histórica de Israel de utilizar a comunidade drusa como uma alavanca estratégica, a atual instabilidade na região de Suwayda, a intervenção militar direta de Israel e a presença de uma liderança drusa local disposta a se aliar com o “Estado sionista” formam um cenário coeso. A criação de tal entidade não apenas concretizaria uma parte central do Plano Yinon, como também estabeleceria um estado-tampão na fronteira norte de Israel, enfraquecendo permanentemente o Estado sírio e consolidando a hegemonia regional israelense.

Fizemos um vídeo mais completo e detalhado sobre o Plano Yinon, publicado em nosso canal do YouTube. Recomendamos aos leitores interessados em maiores informações sobre o assunto:

Referências 

A POLÍTICA DRUSA DE ISRAEL NA PALESTINA E NA SÍRIA. Monitor do Oriente, 2025. Disponível em: <https://www.monitordooriente.com/20250717-a-politica-drusa-de-israel-na-palestina-e-na-siria/>. Acesso em: 05 set. 2025.

BOSCO, Fábio. A questão Drusa na Síria. Opinião Socialist, 2025. Disponível em: <https://www.opiniaosocialista.com.br/a-questao-drusa-na-siria/>. Acesso em: 05 set. 2025.

FURR, Linda. Letter: ‘Greater Israel’ plan coming to fruition. In: SHAHAK, Israel; YINON, Oded. “Greater Israel”: The Zionist Plan for the Middle East. The Infamous “Oded Yinon Plan”. Association of Arab-American University Graduates, Inc, Special Document No. 1, 2019.

NETANYAHU PEDE PARA DRUSOS DE ISRAEL NÃO IREM PARA A SÍRIA APÓS CONFLITOS. CNN, 2025. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/netanyahu-pede-para-drusos-de-israel-nao-irem-para-a-siria-apos-conflitos/>. Acesso em: 05 set. 2025.

QUEM SÃO OS DRUSOS, GRUPO NO CENTRO DE DISPUTA ISRAEL-SÍRIA. Deutsch Welle, 2025. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/quem-s%C3%A3o-os-drusos-minoria-no-centro-de-disputa-entre-israel-e-s%C3%ADria/a-73322141>. Acesso em: 05 set. 2025.

SHAHAK, Israel; YINON, Oded. “Greater Israel”: The Zionist Plan for the Middle East. The Infamous “Oded Yinon Plan”. Association of Arab-American University Graduates, Inc, Special Document No. 1, 2019.

YINON, Oded. A Strategy for Israel in the Nineteen Eighties. In: SHAHAK, Israel; YINON, Oded. “Greater Israel”: The Zionist Plan for the Middle East. The Infamous “Oded Yinon Plan”. Association of Arab-American University Graduates, Inc, Special Document No. 1, 2019. (Originalmente publicado em Kivunim: A Journal for Judaism and Zionism, Issue No. 14, 1982).

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