As pretensões expansionistas do movimento sionista não são novidade, basta analisarmos o aumento do território israelense ao longo das décadas, bem como as atividades de colonos engajados no projeto de expansão do Estado de Israel, como o caso da agora infame líder colona Daniella Weiss. Podemos chamar essa reivindicação territorial e ideológica expansionista que almeja o estabelecimento de um estado judaico sobre uma área significativamente maior do que as fronteiras atuais de Israel como “Grande Israel”. As suas fronteiras exatas variam entre diferentes proponentes, mas geralmente baseiam-se em interpretações de textos bíblicos e narrativas históricas sionistas, conforme expusemos recentemente em pelo menos dois artigos. O plano não é um documento único e singular, mas sim um conjunto de ideias e aspirações que evoluíram ao longo do tempo, manifestando-se em diversas publicações, declarações políticas e ações.
Daniella Weiss
As raízes da ideia de uma “Grande Israel” podem ser encontradas nos primórdios do movimento sionista. Theodor Herzl, considerado o fundador do sionismo político moderno, já delineava nos seus diários visões de um território maior. Em seus diários podemos encontrar discussões sobre a área do futuro estado judaico, afirmando: “Área: do Riacho do Egito ao Eufrates…”. Herzl descreve uma discussão que teve com o Chanceler Imperial alemão, o Príncipe da Casa de Hohenlohe, na qual lhe perguntam quanta terra se espera que seja necessária para o Estado idealizado. Sua resposta foi: “Pedimos o que precisamos – quanto mais imigrantes, mais terra”.
Após a morte de Herzl, a Organização Sionista continuou a nutrir ambições territoriais ainda maiores. Um exemplo claro é o memorando apresentado à Conferência de Paz de Paris em 1919, que definia fronteiras para a Palestina que incluíam partes significativas do Líbano, as Colinas de Golã, partes da Jordânia e chegava até Aqaba no sul (RAZZOUK, 1970). Estas reivindicações demonstram que a visão de uma “Grande Israel” já estava presente nos objetivos políticos do movimento sionista oficial há mais de um século.
O Sionismo Revisionista, liderado por Ze’ev Jabotinsky, foi um dos principais proponentes de uma “Grande Israel” que incluísse explicitamente a Transjordânia, região ao leste do rio Jordão. Jabotinsky defendia a criação de um estado judaico em “ambos os lados do Jordão” (RAZZOUK, 1970, p. 243). Essa visão maximalista influenciou gerações de sionistas e continua ecoando em certos círculos políticos israelenses contemporâneos. A ideia central era que as fronteiras históricas e bíblicas da “Terra de Israel” eram muito mais vastas do que as delimitadas pela Partilha da Palestina em 1947 ou pelas linhas do Armistício de 1949.
Pôster produzido por volta de 1947 pela Nova Organização Sionista e pelo Fundo Tel Hai. Nele há citações de Zeev Jabotinski e uma passagem da Bíblia (Gênesis 15:18). Este pôster representa a ideologia do Sionismo Revisionista, defensor de uma Grande Israel.
Mesmo após a fundação do Estado de Israel em 1948, figuras proeminentes como David Ben-Gurion, o primeiro primeiro-ministro de Israel, expressaram a noção de que o estado estabelecido era apenas uma porção da “Terra de Israel” histórica. No Israel Government Year Book de 1952, Ben-Gurion declarou que o Estado de Israel “foi estabelecido em apenas uma parte da Terra de Israel”. Essa afirmação sublinha a contínua relevância da ideologia da “Grande Israel” no pensamento político israelense mesmo décadas após suas primeiras manifestações, vendo as fronteiras existentes como temporárias ou incompletas, podendo ser interpretado até como um chamado a expandi-las, que é justamente o que testemunhamos hoje em dia.
Engana-se quem pensa que essa ideia morreu na metade do século passado. Declarações de políticos israelenses contemporâneos continuam refletindo essa ideologia. Bezalel Smotrich, uma figura proeminente da direita religiosa israelense, apresentou em 2023 um mapa que incluía a Jordânia como parte de Israel. A Relatora Especial da ONU, Francesca Albanese, considera que a “ideia de uma grande Israel” alimenta a ideologia do governo de Netanyahu, com visões que se estendem “do rio [Jordão] ao mar [Mediterrâneo]” e potencialmente incluindo partes do Iraque, Líbano, Jordânia e Arábia Saudita, com ideólogos acrescentando até mesmo Meca e Medina como territórios israelenses, sendo essas as duas cidades mais sagradas dentro da religião islâmica e que anualmente recebem dezenas de milhões de peregrinos todos os anos.
O “Plano Yinon” de 1982 também é frequentemente citado como um exemplo de pensamento estratégico israelense para facilitar a hegemonia e expansão de Israel. O cerne do Plano Yinon é a ideia de que, para Israel garantir sua sobrevivência e hegemonia regional no Oriente Médio, seria necessário fragmentar os estados árabes vizinhos em entidades menores e mais fracas, baseadas em divisões étnicas ou sectárias. A lógica subjacente é que estados árabes grandes e unificados representariam uma ameaça existencial a Israel, enquanto um mosaico de pequenos estados sectários seria mais fácil de controlar ou influenciar, criando um ambiente regional mais favorável aos interesses israelenses. Sobre esse assunto, recomendamos a produção no canal do História Islâmica intitulado “Plano Yinon: como Israel manufatura conflitos no Oriente Médio”.
Os objetivos do plano da “Grande Israel” são multifacetados, mas se centram na anexação de territórios, no estabelecimento de assentamentos judaicos e no controle de recursos naturais (especialmente água). A Fair Observer, em importante artigo escrito por Alan Waring, menciona o projeto do Canal Ben Gurion, que passaria pelo meio de Gaza, como um exemplo de desenvolvimento econômico ligado a uma visão expansionista. A Lei do Estado-Nação de Israel de 2018, que define Israel como o “estado-nação do povo judeu” e considera o desenvolvimento de assentamentos judaicos como um “valor nacional” em seu artigo 7º, é vista por muitos como uma codificação legal que facilita os objetivos da “Grande Israel”. Ainda segundo o artigo, em meados de 2024, cerca de 380.000 colonos israelenses já haviam ocupado terras palestinas na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, com mais 500.000 planejados para o curto prazo pelo Ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, que nega que os palestinos sejam uma nação ou tenham tido direitos à terra. Ex-generais israelenses estão propondo um plano semelhante para a tomada de Gaza pelos colonos após a remoção definitiva da população palestina.
A contínua tentativa de implementação dessa visão expansionista tem sido um motor de conflitos prolongados, resultando na morte e deslocamento de centenas de milhares de palestinos desde a Nakba de 1948. As guerras de 1948, 1956, 1967, e os conflitos subsequentes, bem como a ocupação contínua dos territórios palestinos, são vistos como manifestações dessa busca por uma “Grande Israel”. A implementação dessas políticas expansionistas inevitavelmente causa violência, sofrimento e morticínio de inocentes. Até o momento, pelo menos mais de 50 mil palestinos já morreram em Gaza desde o 7 de outubro.
As políticas israelenses chegaram em um nível tal de brutalidade e desumanidade que, paradoxalmente, costumam ser comparadas com as políticas dos algozes do povo judeu no século passado: os nazistas. A ideia de “Lebensraum” (espaço vital) foi um conceito central na ideologia nazista, usado para justificar a expansão territorial alemã na Europa Oriental. Essa política envolvia a conquista de territórios, a subjugação, expulsão ou extermínio das populações nativas (especialmente eslavos e judeus), e a colonização por alemães, tudo em nome da superioridade racial ariana e da necessidade de “espaço vital” para a “raça superior”.
Fronteiras de Grande Reich alemão previsto no mapa de propaganda da era nazista “Das Grossdeutschland em Der Zukunft” (1943).
Existem paralelos preocupantes entre a ideologia da “Grande Israel” e o conceito nazista de “Lebensraum”. Ambos são conceitos expansionistas que procuram justificar a aquisição de território com base em narrativas históricas ou ideológicas, desconsiderando os direitos das populações autóctones existentes. Tal como o “Lebensraum” implicava a remoção ou subjugação dos “Untermenschen” (pessoas racialmente inferiores), a busca pela “Grande Israel” resultou historicamente no deslocamento em massa e na opressão dos palestinos. Yossi Sarid, ex-ministro da educação de Israel, usou explicitamente o termo “lebensraum” em 2011 para descrever uma necessidade israelense de “autodefesa”. Embora não esteja claro se o autor se identifica com essa declaração ou não, a reflexão enfatiza um argumento que serve tanto à segurança de Israel quanto à causa expansionista do Grande Israel.
Em publicação no The Times of Israel, posteriormente apagada, também foi utilizado o termo “lebensraum” para justificar a expansão de Israel devido ao crescimento populacional, como reportado pela Newsweek em artigo escrito por Maya Mehrara em 2024, que também cita o Holocaust Encyclopedia definindo-o como crucial para a “visão de mundo nazista em relação às conquistas militares e à política racial.”
Os paralelos com o conceito nazista de “Lebensraum” residem em sua natureza expansionista, na justificação ideológica para a tomada de terras e no desrespeito pelos direitos e pela própria existência das populações nativas. Em suma, o plano da “Grande Israel” é uma aspiração sionista de longa data, com raízes em interpretações bíblicas e no pensamento dos fundadores do movimento. Sua contínua tentativa de implementação tem sido uma fonte primária de conflito, morte e deslocamento na região.
Em recente documentário, Louis Theroux revela ao mundo uma das faces mais sombrias da personificação da ideia da Grande Israel: Daniella Weiss – que citamos no começo do texto –, a “madrinha” da ocupação israelense. A produção está disponível gratuitamente na BBC iPlayer e recomendamos fortemente que assistam.
Referências
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