O movimento dos “Templários” Alemães, também conhecido como Sociedade do Templo, foi uma seita pietista radical que surgiu em meados do século XIX na Alemanha, a partir de uma cisão com a Igreja Luterana. Liderados por Christoph Hoffmann e Georg David Hardegg, seus membros acreditavam que a salvação da humanidade dependia da reunião do “povo de Deus” em uma comunidade cristã na Terra Santa. Eles se viam como os verdadeiros herdeiros da missão de Israel, não no sentido étnico, mas espiritual, e entendiam que a comunidade e cada indivíduo eram “templos” nos quais o espírito de Deus habitava, daí o nome “Templers”, sem qualquer ligação com os cavaleiros medievais (“Templars”), mas que chamaremos de Templários pela ausência de termo melhor.
A teologia dos Templários estava profundamente enraizada em uma forma de “Sionismo Cristão”, uma crença de que o retorno de Cristo seria acelerado pelo estabelecimento de um reino espiritual de Deus na Terra Santa. Eles acreditavam que as profecias bíblicas sobre a reunião em Jerusalém se aplicavam a eles e que sua missão era preparar a terra para a Segunda Vinda, trazendo “salvação” tanto para judeus quanto para muçulmanos. Essa visão apocalíptica e messiânica foi o principal motor para sua migração, partindo da Alemanha para fundar colônias na Palestina a partir da década de 1860.
O primeiro grupo de Templários chegou a Haifa em 1868, estabelecendo-se ao pé do Monte Carmelo. Em contraste com a visão romântica da terra, eles encontraram um ambiente desafiador, com pântanos, malária e alta mortalidade infantil. Vindo de um país desenvolvido, o choque foi imenso. No entanto, eles aplicaram sua ética de trabalho e conhecimento técnico, drenando pântanos e introduzindo técnicas agrícolas e industriais modernas. Fundaram colônias bem-sucedidas em locais como Haifa, Jaffa, Sarona e Jerusalém, construindo casas de pedra com telhados vermelhos, um marco arquitetônico que contrastava com as construções locais.
Colônia alemã de Haifa em 1875.
As colônias dos Templários rapidamente se tornaram modelos de modernidade e eficiência. Eles introduziram máquinas agrícolas mecanizadas, estradas pavimentadas, eletricidade, além de criarem as primeiras linhas de diligências, hotéis e farmácias de estilo europeu. A produção agrícola também se destacava, sendo os primeiros a comercializar as famosas “Laranjas de Jaffa” na Europa. Esse sucesso serviu como um modelo direto para os pioneiros sionistas judeus que começaram a chegar mais de uma década depois, fugindo dos pogroms na Rússia. Os judeus viam nas colônias alemãs um exemplo de como estabelecer assentamentos produtivos na Palestina.
Selo das laranjas de Jaffa da comunidade templária alemã.
Apesar da colaboração inicial, a relação entre Templários e sionistas judeus evoluiu para uma competição. Com a chegada de mais imigrantes judeus durante o Mandato Britânico, a dinâmica mudou. Os judeus, apoiados pela infraestrutura britânica e pelo capital sionista, já não precisavam do conhecimento alemão. Os Templários, por sua vez, deixaram de se ver como mentores do desenvolvimento e passaram a encarar a crescente presença judaica como uma ameaça ao seu próprio futuro e aos seus interesses econômicos na região, gerando uma rivalidade em vez de cooperação.
A ideia de um sionismo cristão, no entanto, não era nova nem exclusiva dos Templários. Décadas antes do movimento sionista de Herzl, correntes protestantes na Europa, especialmente na Grã-Bretanha, já defendiam a “restauração” da Palestina aos judeus como um pré-requisito para a Segunda Vinda de Cristo. Esses “sionistas gentios” viam a colonização como uma forma de cumprir a profecia e, simultaneamente, proteger os interesses estratégicos e comerciais britânicos na região. Os Templários se inserem nessa tradição mais ampla de projetos de colonização europeus na Palestina, que viam a população local como um obstáculo a ser removido ou subjugado, se necessário…
Templários em Wilhelma, na Palestina.
A relação dos Templários com a população árabe local era marcada pela arrogância e pelo isolamento. Documentos otomanos revelam que eles utilizaram estratégias predatórias para adquirir terras, como controlar fontes de água para desvalorizar propriedades vizinhas e usar intermediários locais para comprar terras de árabes desavisados. Sentindo-se superiores e protegidos pelo consulado alemão, frequentemente ignoravam as leis e autoridades otomanas, tratando a população local com desdém e recorrendo à violência em disputas, o que gerou ressentimento e hostilidade.
Com a ascensão do nazismo na Alemanha nos anos 1930, uma parte significativa da comunidade Templária na Palestina abraçou a nova ideologia. A influência nazista foi especialmente forte entre os jovens, que se afastaram das crenças religiosas de seus antepassados e se sentiram atraídos pelo nacionalismo alemão. Em 1933, um ramo do Partido Nazista foi fundado em Haifa, e logo se espalhou por outras colônias. Em 1938, cerca de 17% dos Templários eram membros do partido. Essa adesão se manifestava publicamente, com marchas em uniformes nazistas pelas ruas de Jerusalém e a substituição de organizações como os escoteiros pela Juventude Hitlerista.
O Partido Nazista ganhou espaço nas comunidades templárias por toda a Palestina.
O envolvimento com o nazismo selou o destino dos Templários na Palestina. Com o início da Segunda Guerra Mundial em 1939, as autoridades do Mandato Britânico os classificaram como “cidadãos de nação inimiga”. Os homens em idade militar foram presos, e o restante da comunidade foi confinado em campos de internamento em suas próprias colônias. Cerca de 600 Templários foram deportados para a Austrália. Um episódio notável foi a troca de aproximadamente mil alemães da Palestina, incluindo Templários, por cerca de 550 judeus que estavam em campos de concentração nazistas, uma ação que, embora movida pelo pragmatismo, salvou centenas de vidas judaicas (SHEFER-VANSON, 2014).
Após a guerra, o retorno à Palestina tornou-se impossível. A comunidade estava dizimada, e a crescente insurgência judaica contra os britânicos os via como inimigos. Em 1946, o líder da comunidade, Gotthilf Wagner, foi assassinado pela Haganah, a organização paramilitar sionista, para forçar a saída dos alemães, algo minimamente esperado devido ao sofrimento do povo judeu no Holocausto e o apoio de certos Templários ao partido nazista.
Alguns do último grupo de templários, expulsos então recém fundado Estado de Israel em 1949
Com a criação do Estado de Israel em 1948, os remanescentes foram deportados. Os últimos Templários deixaram a terra em 1950, encerrando um capítulo de 80 anos de colonização. Em 1962, o governo de Israel pagou uma indenização por suas propriedades nacionalizadas, pondo um fim definitivo à sua presença na Terra Santa.
Referências
BERG, Raffi. The Templers: German settlers who left their mark on Palestine. BBC News, 2013. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/magazine-22276494>. Acesso em: 03 set. 2025.
SHEFER-VANSON, Dorothea. Templers, Germans and Nazis. The Jerusalem Post, 2014. Disponível em: <https://www.jpost.com/blogs/from-dorotheas-desktop/templers-germans-and-nazis-379471>. Acesso em: 03 set. 2025.
YAZBAK, Mahmoud. Templars as Proto-Zionists? The “German Colony” in Late Ottoman Haifa. Journal of Palestine Studies, v. 28, n. 4, p. 40-54, 1999. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/2538391>. Acesso em: 03 set. 2025.