Um post viral no X (antigo Twitter) se pergunta por qual motivo os muçulmanos “preferem os países cristãos ou seculares” para migrar, onde “seus costumes, muitas vezes, se chocam com os valores locais” e que “não migram para países muçulmanos”. O que será que é verdadeiro nessas afirmações?
A publicação também afirma que há outros países mais próximos, como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Catar ou o Kuwait, onde há maior “afinidade cultural e religiosa”, mas que apenas “uma fração mínima destes imigrantes” se mudam para esses países. Essa narrativa é recorrente entre os argumentos anti-islâmicos mais comuns, sendo parte de uma teoria da conspiração conhecida como “Grande Substituição”, que afirma que está ocorrendo uma grande invasão no Ocidente.
Isso é mentira. De acordo com uma pesquisa da Pew Research Center, uma instituição estadunidense que realiza pesquisas globais, a maioria dos migrantes que vivem na Europa (56%), são cristãos. O principal destino dos muçulmanos migrados são os países do Oriente Médio e do Norte da África. Inclusive, os muçulmanos constituem o grupo religioso que menos se afasta de seus países de origem.
Países próximos, principalmente do Oriente Médio
De acordo com dados da ONU, embora o número absoluto de imigrantes tenha quase duplicado de 1990 a 2024 (de 154 milhões a 304 milhões), a porcentagem que representam em relação à população mundial total continua baixa: 3,7%.
Quanto aos migrantes muçulmanos, apesar de os números mostrarem uma tendência similar e terem dobrado entre 1990 e 2020, a porcentagem que representam em relação à população mundial de migrantes se manteve muito estável, variando três pontos: de 26% a 29% – é isso que revela um estudo de 2024 do Pew Research Center que analisa as características da população mundial de migrantes com base em sua religião e deslocamento.
A pesquisa também detalha que as pessoas que professam a fé islâmica são as que mais costumam migrar para territórios mais próximos. Eles viajam, em média, cerca de 2.736km desde sua terra natal até os países de destino. Como explica o estudo, “um grande número de muçulmanos sírios buscaram refúgio em países vizinhos, como a Turquia e o Líbano”, desde a guerra civil que eclodiu no país em 2011. Como detalha o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), há quase quatro milhões de refugiados sírios no mundo, dentre os quais 61% moram na Turquia e 16% no Líbano.
As regiões geográficas em que se concentram mais migrantes muçulmanos, de acordo com a pesquisa da instituição estadunidense, são o Oriente Médio e o Norte da África, onde cerca de 75% da população migrante é muçulmana, seguida por cristãos (14%) e hindus (11%). É nesta área que os migrantes muçulmanos aumentaram mais exponencialmente (193%), escolhendo principalmente a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos como países de destino.
A análise inversa (sobre o total da população migrante muçulmana e os destinos preferidos em todo o mundo) mostra que a maioria se concentra nesta região, seguida pela zona da Ásia-Pacífico, onde residem cerca de 20% dos migrantes muçulmanos do mundo.
| DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO MUÇULMANA MIGRANTE A NÍVEL MUNDIAL | ||
| Residência | Origem | |
| Oriente Médio
e Norte da África |
40% | 34% |
| Ásia-Pacífico | 24% | 47% |
| Europa | 20% | 6% |
| África Subsaariana | 10% | 13% |
| América do Norte | 6% | 0,5% |
| América Latina e Caribe | 1% | 0,5% |
Na Europa, porém, a maioria da população migrante é cristã. Este foi o grupo que mais cresceu entre 1990 e 2020, tendo quase duplicado, de acordo com uma pesquisa publicada na revista Sociedades Europeas. Observa-se “uma forte tendência intergeracional de queda no nível de religiosidade entre os grupos de imigrantes cristãos na Europa”.
O segundo grupo mais numeroso no continente europeu são aqueles que não possuem religião (20%), seguidos pelos muçulmanos (18%), que têm aumentado de forma mais lenta e progressiva.
Não é certo dizer, portanto, que os muçulmanos escolhem “preferencialmente os países cristãos ou seculares”, como afirmava a publicação viral e como argumenta a teoria da conspiração da “Grande Substituição”.
Afinidade religiosa e possibilidade de trabalho
De acordo com a pesquisa do Pew Research Center, os muçulmanos que chegam à região do Oriente Médio e Norte da África vêm sobretudo da Índia. Tratam-se, muitas vezes, de trabalhadores temporários que retornam, depois, para seus países. Há também, no entanto, cerca de 4 milhões de pessoas que nasceram em territórios palestinos, seguidas por bengalis (3,6 milhões), paquistaneses (3,5 milhões) e sírios (3,2 milhões).
A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, os maiores receptores de muçulmanos, formam parte do Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), criado em 1981 e integrado por seis países “embasados na fé islâmica”, como descrevem seus estatutos e “convencidos de que a coordenação, a cooperação e a integração entre eles servem aos nobres objetivos da nação árabe”. Trata-se, portanto, de territórios com economias prósperas e baixas taxas de desemprego. Especificamente, de acordo com vários estudos, as oportunidades de emprego são o principal atrativo que leva grande número de pessoas a escolher esses países como destino.
Primeiro foi a Arábia Saudita, depois, nos anos 2000, o Catar se tornou protagonista, e nas últimas décadas a preferência tem sido pelos Emirados Árabes Unidos. São países que possuem grande dependência de mão de obra estrangeira e que modelaram suas políticas migratórias de acordo com este objetivo, como detalhe o Instituto de Política Migratória. No entanto, também é uma região do planeta muito conhecida por abusos trabalhistas contra migrantes e pelos altos riscos que eles enfrentam.
Situação na Catalunha
A principal região de origem dos estrangeiros na Catalunha, segundo o Idescat, é o continente americano (32,8%), sendo que a maioria vêm da América do Sul (23,18%). A segunda região é a Europa, com 30,93% do total de estrangeiros. Segundo o estudo da Pew Research Center, estes territórios são os locais de nascimento mais comuns para os imigrantes cristãos: cerca de 35% vêm da Europa e 30% da América Latina e do Caribe.
Analisando os dados do governo catalão sobre as denominações religiosas na Catalunha, vemos que existem 14 principais, e que em 2024 o catolicismo possuía o maior número de locais de culto na região (5.665) seguido, a uma distância considerável, pelas igrejas evangélicas ou protestantes (889). Conforme detalhado no Mapa Religioso da Catalunha, “está é a tradição religiosa que apresentou o crescimento mais significativo nas últimas duas décadas, principalmente devido ao cresciemnto das igrejas pentecostais”. O Islã aparece em terceiro lugar, com 319 locais de culto, localizados sobretudo na província de Barcelona.
Texto original de Verificat.cat, tradução de Vinícius Tanure.





