Saladino e os Templários: uma briga que se tornou pessoal

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1170 foi um ano dramático. Em junho, um cataclísmico terremoto devastou grandes áreas do Oriente Médio. Castelos foram severamente danificados. Muros de cidades caíram. Vidas foram despedaçadas de forma irreparável. Um tempo de piedade viu a mão de Deus nisso. Os habitantes dos Estados Cruzados sentiram o frio presságio da destruição no ar.

Presságio ou não, eles estavam certos. Ao fim do ano, o novo governante curdo do Egito, um jovem e relativamente inexperiente homem chamado Saladino, liderou seus exércitos rumo ao norte.

Em 9 de dezembro, atacou o castelo de Darum, na fronteira com o Reino de Jerusalém. Sapadores e mineiros especializados de Alepo começaram a minar os muros. Baterias de artilharia de cerco varreram as ameias. Ele hostilizou a guarnição e destruiu os assentamentos de cristãos árabes e francos antes que ele e seu exército (estimado, exageradamente, em cerca de 40 mil homens) seguissem adiante.

Eles partiram para o norte em 11 de dezembro. O plano era interceptar e destruir o exército cruzado de Jerusalém. O rei Amalrico partiu para socorrer Darum, mas subestimou o tamanho das forças inimigas que enfrentaria. Ele saiu da cidadela templária em Gaza com apenas 250 cavaleiros e 2 mil soldados de infantaria, muitos dos quais foram, presumivelmente, retirados da própria guarnição da ordem. Quando percebeu a grande desvantagem numérica, Amalrico se recusou a entrar em combate. Em vez disso, reuniu seus homens em uma compacta formação de “marcha de combate” e seguiu adiante com dificuldade. Eles finalmente conseguiram abrir caminho através da cavalaria muçulmana que os cercava e se refugiaram em Darum.

Saladino, eventualmente, voltou para o Egito. Sua base de poder ali ainda era frágil e é possível que estivesse receoso de se ausentar do Cairo por tanto tempo. No entanto, o padrão estava estabelecido. Saladino voltaria, ano após ano. Ele desgastaria os estados cruzados aos poucos – e os Templários se tornariam seu alvo especial. Eram os homens que ele mais respeitava e temia.

Dentro de poucos anos Saladino também submeteu a maior parte da Síria para o seu controle. Seu novo império ia do Norte da África até a Mesopotâmia. Para os Cruzados, isso representava uma grande deterioração da situação militar – sempre em menor número, agora também se encontravam cercados.

Em 1177 Saladino estava pronto. Ao menos se sentiu confiante o suficiente para voltar sua atenção seriamente nos estados cruzados. Seus exércitos invadiram as fronteiras do sul do Reino Latino de Jerusalém com uma força avassaladora. Induzidas à complacência por sua superioridade numérica, no entanto, as tropas de Saladino, nas palavras do cronista Ibn al-Athir, “se tornaram excessivamente ávidas e relaxadas, movendo-se com segurança e confiança”. Estavam excessivamente confiantes, na verdade.

Representação de Saladino do século XV, portando uma cimitarra. British Library MS Add. 30359

Sentindo que o inimigo se dispersou demais, as pequenas forças cruzadas se aventuraram a lutar. Movendo-se o mais rápido que podiam, atraíam os exércitos muçulmanos a um lugar chamado Monte Gisard e, em 25 de novembro, lançaram uma tentativa desesperada de chegar a Saladino antes que suas enormes vantagens numéricas pudessem ser aproveitadas.

Os templários constituíam uma parte significativa do exército de campanha franco e acrescentavam um grau de profissionalismo que era praticamente desconhecido no Ocidente. O mestre, Eudo de Saint Amand, juntou suas tropas locais, incluindo a vizinha guarnição veterana de Gaza. Eles foram colocados no centro da linha de batalha. Esta era a posição mais perigosa, mas também era onde podiam causar mais dano.

Os irmãos cavaleiros lideraram o ataque franco. Em número significativamente menor e flanqueados, os francos tinham apenas uma oportunidade de atacar – e esse ataque precisava ter sucesso.

O esquadrão templário, com menos de cem homens, liderou o altamente arriscado, mas potencialmente decisivo ataque. Eles focaram, deliberadamente, na pessoa de Saladino e em sua família, que eram protegidos por fileiras de guarda-costas montados. O ataque foi triunfante. Um cronista inglês, Ralph de Diceto, mencionou explicitamente que foi essa investida dos templários nas linhas de batalhas muçulmanas que lhes concedeu a vitória.

Ralph, escrevendo de Londres e provavelmente utilizando informações de um dos boletins dos templários que circulavam no Ocidente, confirmou que o mestre liderou a investida pessoalmente, lançando sua companhia de irmãos cavaleiros ao cerne do exército muçulmano:

“Eudo, o mestre da Ordem dos Cavaleiros do Templo … tinha oitenta e quatro cavaleiros de sua ordem consigo em sua companhia pessoal. Ele foi para a batalha com seus homens, fortalecidos pelo sinal da cruz. Esporeando todos juntos, como um só homem, eles investiram, sem desviar nem para a esquerda, nem para a direita. Reconhecendo o batalhão no qual Saladino comandava vários cavaleiros, aproximaram-se com bravura, penetraram suas fileiras imediatamente, e incessantemente derrubaram, dispersaram, golpearam e esmagaram seus inimigos. Saladino ficou admirado ao ver seus homens dispersos por toda parte, fugindo, entregues ao fio da espada. Pensou em si mesmo e fugiu, lançando fora sua cota de malha para ganhar velocidade, então montou um camelo de corrida e escapou por pouco, com apenas alguns de seus homens.”

O precipitado ataque da cavalaria pesada templária teve um impacto traumático no cerne do exército aiúbida. Nos poucos minutos de loucura do ataque inicial, um dos templários quase mudou o curso da história. Ele chegou a poucos metros do próprio Saladino, mas acabou sendo derrubado pelo guarda-costas do sultão. Como um cronista muçulmano escreveu, o irmão “chegou perto, quase o alcançando, o franco foi morto em sua frente”. Visivelmente afetado, Saladino foi empurrado para fora do campo de batalha. Ele correu antes que mais algum templário pudesse alcançá-lo.

Depois da batalha, muitos dos turcos desertores foram massacrados por seus companheiros beduínos muçulmanos, que costumavam atuar como auxiliares e guias das patrulhas da cavalaria templária. Saladino, assustado e humilhado em igual medida, passou o resto da vida tentando se vingar dos beduínos – e dos templários. Os cavaleiros que tiveram a infelicidade de cair em suas mãos a partir daquele momento foram quase sempre mortos por seus captores.

A chance de Saladino se vingar em larga escala viria logo em seguida. Dezoito meses depois, no fim de agosto de 1179, seus exércitos atacaram o canteiro de obras do que viria a ser o castelo definitivo dos templários no Rio Jordan – uma magnífica fortificação que chamaram de Chastelet.

Um cerco foi logo estabelecido e a mineração começou. Quando ficou claro que uma brecha estava iminente, a guarnição templária posicionou barricadas de madeiras atrás dos muros. À medida que os homens de Saladino tentavam forçar sua entrada, os cavaleiros incendiaram as barricadas e se formaram para uma última resistência. Houve uma curta pausa na batalha, com os esquadrões de assalto muçulmanos compreensivelmente reticentes em ter de lutar para atravessar as chamas. No entanto, não havia pressa. O fogo eventualmente se apagou. Os invasores avançaram pela brecha. A batalha, parcialmente obscurecida pela fumaça e pelas chamas que se apagavam, foi breve, mas terrível.

Dirham representando Saladino (c. 1189) – CNG Coins / Wikimedia Commons

Saladino interrogou pessoalmente todos os prisioneiros para que identificasse quais dos mercenários ou cristãos árabes locais poderiam ser considerados “muçulmanos convertidos”. Ele matou estes primeiro. Os prisioneiros templários também foram executados imediatamente. Esta foi uma interessante, senão indesejada, saudação à sua eficácia militar e ao medo que haviam induzido recentemente em Saladino em Monte Gisard. A maioria dos prisioneiros europeus restantes foi massacrada na marcha forçada de volta a Damasco.

No entanto, o dano à força combatente da ordem no Oriente foi traumático. O destino da guarnição em Chastelet, combinado com a perda do mestre e das baixas sofridas na batalha de Marj Ayun poucos meses antes, dizimou mais uma vez os templários da linha de frente no Reino Latino de Jerusalém.

A luta da ordem contra Saladino e seus exércitos era cada vez mais pessoal.

Para ler mais

  • Barber, M., The New Knighthood: A History of the Order of the Temple, Cambridge, 1994
  • Phillips, J., The Life and Legend of the Sultan Saladin, London, 2019
  • Tibble, S., Templars – The Knights Who Made Britain, London, 2023

Fonte: Steve Tibble | Medievalists – Traduzido por Vinícius Tanure

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